I - Fênix

- Não! Não e não! - Caio encarava Rafael de uma forma raivosa, tal qual um gato acuado por um cão ensandecido. Suas pupilas pulsavam de tanto nervoso. - Eu não vou escrever porcarias deste tipo. Ainda prezo minha carreira, ou o que restou dela.

- Calma Caio, também não é para tanto. Você há de convir que não tem escrito nada de bom desde que se divorciou, ou melhor, não tentou escrever nem uma linha, e ultimamente, não sei quem rege sua vida, se é você mesmo ou uma garrafa.

- Dane-se tudo! Não agüento tanto lamurio. Eu ainda consigo muito bem escrever da forma que eu quiser e quando quiser. Não vou participar de modinhas, só por que você acha que isso pode dar uma nova guinada na minha carreira. O que você quer que eu me torne agora? Escritor de coluna de revista de pré-adolescentes? Faça me o favor... Ao inferno com todos vocês!!!

Caio levantou-se do sofá e andou trôpego até uma mesinha de canto, onde mantinha algumas garrafas de bebida. Pegou uma e levou à boca, o líquido quente lhe rasgava a garganta, mas para ele, nada importava, aquele ardor era como um alívio à sua mente cansada, queria esquecer de tudo e de todos, queria um descanso final, queria paz.

- Pare com isso homem! - Rafael puxou violentamente a garrafa de uísque das mãos de Caio e este sem esperar procurou forças nas pernas, mas elas não lhe ajudaram em nada. Seus joelhos cederam bruscamente e seu rosto foi de encontro à quina da mesa que lhe servia com tanto gosto.

Rafael rapidamente ajudou Caio a se levantar, mas este não querendo auxílio, empurrou Rafael com um pouco de forças que ainda lhe restava. O supercílio esquerdo estava partido e o sangue descia por sua face, penetrando em seu olho, lhe turvando a visão.

Mas ele simplesmente adorava a situação, o cheiro do sangue lhe inebriava.

- Tá contente agora Rafael? Vamos lá, ria de seu macaco de auditório! Vamos, ria desse fracassado, desse maldito escritor de merdinhas. Vamos lá minha gente! A pergunta que não quer calar! Como esse ameba conseguiu escrever um best-seller? - Ainda cambaleante e tossindo, Caio parecia uma tétrica versão de um apresentador de atrações circenses, parecia procurar algum apoio invisível. Por fim desabou numa poltrona surrada.

- Chega Caio, chega de falar tantas coisas sem sentido. Deixe-me ver o estrago.

Rafael inclinou a cabeça de Caio e olhou rapidamente para o corte. Não era nada grave, mas poderia infeccionar. Foi até o banheiro e olhou as gavetas do armário. No meio de tantos frascos de aspirinas, conseguiu encontrar uma pequena bolsa com esparadrapos, gases e um pouco iodo. Molhou uma toalha e voltou à sala.

Depois de muita reclamação por parte de Caio, Rafael conseguiu limpar o rosto e fazer um curativo, da melhor forma que pôde. Sou um editor, não uma enfermeira de marmanjos.

- Pense na proposta. Você pode pensar que apenas estou aqui por um motivo financeiro, mas ainda tento ser o seu melhor amigo, quero te ver de bem com a vida novamente. Você não pode abandonar tudo e todos dessa forma. – Rafael suplicava.

- Isso não vai dar certo Rafael. Você sabe. Eu nunca tentei ser um escritor da massa. E além do mais, eu não conheço bem este meio, eu só sinto nojo dessas pessoas, esses... adolescentes unilaterais... - Caio estava sentado com a cabeça em suas mãos, os cotovelos apoiavam-se nas coxas, as palavras saiam devagar escorrendo por uma pequena abertura entre os lábios.

- Você sente nojo até de si próprio e isso ainda vai lhe matar. – Rafael retrucou rápido e secamente. Tinha se levantado e olhava a noite pela janela, estavam no 23º andar e uma brisa leve tocava seu rosto, abaixo, a cidade pulsava entre luzes e sons difusos.

- Que me mate então! Seria melhor assim. Vivo ou morto não valho nada!

- Foi só uma forma de falar, não quero nada de mal lhe aconteça, você pode não acreditar nisso, mas ainda vou fazer você dar a volta por cima!

- Queria ter um décimo da sua confiança. - Um esboço de um sorriso brotou no canto da boca de Caio.

Rafael olhou para o relógio que já passava da meia-noite.

- Bem, já é tarde e você precisa dormir. Não é preciso me acompanhar.

- Creio que mesmo que quisesse não conseguiria. Minha cabeça está do tamanho de um balão e meu coração parece que está pulsando dentro dele.

- Durma e pense na minha proposta. Amanhã passarei por aqui, mesmo que você não queira.

- Tudo bem mamãe, eu prometo que vou dormir...

Riram juntos, e Caio se sentiu melhor. Sentiu que ao menos desta vez poderia tentar novamente, afinal, três anos já haviam se passado desde a separação e não agüentava mais aquela situação em que se encontrava, mas era covarde demais para tirar a própria vida e fraco demais para tomar as rédeas do seu destino.

Quantas vezes se pegou pensando em se jogar daquela janela, aquele corpo estranho no ar, se estatelando na grama molhada do orvalho, ali restando apenas um aglomerado de carne esquecido, até que aquela velhinha vindo da sua caminhada matinal se deparasse com aquela figura distorcida e inerte, olhos vitrificados observando o azul do céu... Será que ela gritaria? Ou desmaiaria de uma só vez?

Bem, algo tinha que mudar na vida de Caio, e realmente mudou...

Jocir Prandi disse... said:

4 de agosto de 2009 às 20:01  

Olá, Musashi!
Li, por ora, apenas o primeiro capítulo: gostei do tema e vi qualidade no texto.
Estou visitando seu blog por indicação de nosso amigo Wagner Félix, em cujo site jogo xadrez (um tanto compulsivamente, aliás).
Se quiser trocar ideias, escreva-me (jprandi@ibest.com.br). Visite também meu blog (http://jocirprandi.blogspot.com/)e conheça meu primeiro livro, publicado em 2008.
Grande abraço! Sucesso!

Sol Maria Rodrigues disse... said:

6 de setembro de 2011 às 15:57  

Moisés,
o escritor deve ter um tempo de parada, para apurar a sensibilidade com as palavras. Mas estou com vontade de ler o romance. Todo ele. Faça o favor de escrevê-lo, pois as suas palavras, estão já, maturadas!

Solineide Maria

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